domingo, 25 de setembro de 2011

Evento na Fundação Cultural Ema Gordon Klabin






Data: sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Horário:19:30

Local: Fundação Cultural Ema Gordon Klabin
Rua Portugal, 43 – Jardim Europa
(em frente ao MUBE-Museu Brasileiro da
Escultura)

Em comemoração ao 113º aniversário de 
George Gershwin, o pesquisador
Vicente Adorno e o pianista-cantor Marcelo
Manzano vão apresentar aspectos da vida e
obra do compositor.

Inscrições prévias pelo e-mail 
ou pelo telefone (11) 3062-5245.
Entrada: R$ 40,00
Meia-entrada: R$ 20,00 (estudantes,
professores e aposentados)










domingo, 3 de janeiro de 2010

TRINTA ANOS SEM RICHARD RODGERS (28/06/1902-30/12/1979)

No romance The catcher in the rye (O apanhador no campo de centeio, de Jerome David Salinger, 1951), o personagem principal – Holden Caufield – se irrita com a mania de seu amigo Stradlater de tentar assoviar melodias difíceis enquanto se barbeia, entre elas Slaughter on Tenth Avenue (Assassinato na 10ª Avenida) e, por ser péssimo assoviador, estragar a beleza delas.

Slaughter on Tenth Avenue é um dos poucos temas rigorosamente instrumentais de Richard Rodgers. Foi composto para o musical da Broadway On your toes, de 1936, para o número em que um dançarino se apaixona por uma garota de um salão de danças que tem um namorado ciumento e violento. Esse número está encenado com os habituais requintes de produção da Metro-Goldwyn-Mayer no filme Words and music (Minha vida é uma canção), de 1948, cinebiografia de Rodgers e seu parceiro Lorenz Hart (1895-1943). Apesar de fracote, o filme enfileira excelentes registros de canções da dupla por grandes artistas da época. Em Slaughter on Tenth Avenue Gene Kelly e Vera Ellen fazem com muita competência o par de amantes do tal boteco, com coreografia assinada pelo próprio Kelly.

Ao ter seu tema citado nesse romance – um dos mais importantes em língua inglesa no século XX –, Richard Rodgers já era um compositor de êxito extraordinário e comemorava mais um enorme sucesso, The king and I (O rei e eu) com outro parceiro, Oscar Hammerstein II (1895-1960). A exemplo de outras criações de Rodgers com Hart ou Hammerstein II, The king and I faria sucesso no mundo todo em adaptação para o cinema.

FORMA E CONTEÚDO PARA UM NOVO GÊNERO

Até mesmo quem não faz a menor idéia de quem seja Richard Rodgers já ouviu alguma canção composta por ele. Mas a importância desse autor para a música americana não se mede apenas pela quantidade e qualidade de sua produção como também por alguns aspectos históricos e técnicos. Como o próprio Rodgers reconhece em sua autobiografia Musical stages, Jerome Kern (1885-1945) inventou o que se tornaria conhecido como “o musical americano” ao iniciar o processo que dissociaria esse tipo de espetáculo da opereta européia. Mas seria Rodgers quem de fato daria a esse gênero coerência entre forma e conteúdo.

Richard Rodgers introduziu acordes e harmonias pouco usuais na música de cena então conhecida. Ao mesmo tempo, como assinala o musicólogo inglês Donald Clarke, ele inverteu a estrutura habitual do gênero, ao adotar a forma de abertura (verse) de 32 compassos e estruturar a melodia recorrente (refrain) em 16 compassos, o que acentua a força dramática de cada canção. Uma excelente prova de que Rodgers era, como ele mesmo se definiu, acima de tudo “um compositor de teatro”.

Com seu primeiro parceiro Lorenz Hart ele utilizou esses e outros aspectos para consolidar a direção dada por Jerome Kern ao musical. O trabalho de Rodgers com outro parceiro, Oscar Hammerstein II, inaugurou uma nova etapa: graças às habilidades de Hammerstein como libretista, as canções passaram a ser parte integrante da trama da peça e a dar continuidade à ação em vez de, como antes, distanciar a audiência dessa trama. E a “identidade” do musical tipicamente americano se afirmou de modo definitivo, com a incorporação aos enredos das peças de temas relacionados à história, costumes e tradições dos Estados Unidos.

Com musicais como os de Rodgers, os Estados Unidos ofereceram ao mundo um produto de uma cultura genuinamente americana, que já não precisava buscar inspiração em modelos culturais estrangeiros, principalmente europeus. Era uma nova idéia da América que começara a florescer nos palcos da Broadway e depois se estenderia ao mundo todo com a divulgação desses espetáculos pelo cinema.

NAS PEGADAS DO MESTRE...

Richard Charles Rodgers nasceu em Nova York em 28 de Junho de 1902. Seu pai era médico, e a mãe, pianista. Com ela o pequeno Dick aprendeu as primeiras noções de música. Aos 7 anos ele foi pela primeira vez a uma matinê assistir a uma encenação de O flautista de Hamelin (The pied piper). Ficou maravilhado ao ver interpretadas por cantores e uma orquestra de verdade canções como as que ouvia sua mãe tocar e cantar em casa. Foi “o primeiro gole profundo do copioso vinho conhecido como teatro”.

A embriaguez total veio com outro espetáculo, Little Nemo, de Victor Herbert, que o pequeno Dick foi ver numa matinê de sábado no Teatro New Amsterdam, em sua primeira ida de fato a uma casa de espetáculos da Broadway.

Aos 14 anos Dick Rodgers escreveu sua primeira canção, Camp Fire days, e foi pela primeira vez a um musical de Jerome Kern, Very good Eddie. Ele ouviu então o que chamou de “a primeira música para teatro realmente americana”. Depois disso, ir a qualquer lugar ver um musical de Kern muitas e muitas vezes tornou-se, ao mesmo tempo, uma rotina e uma “universidade” para Rodgers. Ele sabia que estava assistindo ao início de uma nova forma de teatro musical no país – e queria de qualquer jeito tomar parte nisso.

Em 1917 Dick escreveu sua primeira partitura completa para um musical, One minute, please. Logo depois ele se atreveu a uma segunda tentativa, desta vez com letras de um amigo da família – e de outro letrista iniciante, Oscar Hammerstein II. Era uma produção amadora, para uma única apresentação, mas tinha o patrocínio de uma sociedade beneficente. Foi encenada no salão de baile principal do velho Hotel Waldorf Astoria, na esquina da rua 34 com a Quinta Avenida.

RODGERS & HART - “OPEN FOR BUSINESS”

A vida de Rodgers começou a mudar em 1918, quando ele conheceu Lorenz Hart, que tinha alguma experiência em escrever para teatro e estava à procura de um melodista. Como Dick, Hart achava da maior importância estabelecer uma sólida parceria para ter sucesso na comédia musical. Rodgers estava com 16 anos, e Hart, com 23. Larry – como Dick passou a chamá-lo – como ele achava “infantis” as letras que na época se escreviam para o palco; dizia que os autores de canções compunham apenas “lixo” e não confiavam no público porque seu próprio nível de inteligência não era lá grande coisa.

No início do segundo semestre de 1919 os dois já podiam apresentar, nas palavras de Dick, “algumas canções de que não tinham por que se envergonhar”. O mesmo amigo que o apresentara a Hart arrumou uma audição com Lew Fields (1867-1941), cômico e produtor famoso. O veterano ator gostou do que ouviu, comprou a canção Any old place with you e a inseriu em seu musical A lonely Romeo; com ela, em 27 de agosto de 1919, Rodgers e Hart estrearam oficialmente como compositores de teatro musical. Fields e sua família ajudaram os dois em seus próximos projetos: uma de suas filhas – Dorothy (1905-1974), que se tornaria famosa como libretista e letrista de canções como On the sunny side of the street e I’m in the mood for love – até atuou em You’d be surprised em 1920. Seu pai deu palpites na produção, e seu irmão Herbert (1897-1958) ajudou nas letras. Ainda em 1920, Rodgers e Hart estrearam Fly with me, escolhido para espetáculo do ano da Universidade Colúmbia.

A partir de então Rodgers não parou de escrever musicais com Hart. Mas nos cinco anos seguintes tudo o que produziram foi rejeitado pelas editoras de música – e sem isso eles não podiam se estabelecer profissionalmente. Estavam a ponto de desistir quando, em 1925, foram contratados para compor canções para um espetáculo beneficente, The Garrick gaieties. Programado para uma só apresentação, o show ficou 18 meses em cartaz. Um dos motivos do êxito desse espetáculo foi uma canção que de cara virou um clássico: Manhattan.

Com Manhattan, Rodgers e Hart conheceram finalmente o sucesso. A nova versão de The Garrick gaieties, de 1926, produziu outro clássico: Mountain greenery. E o musical A Connecticut Yankee, de 1927, apresentaria em sua nova versão, em 1943, uma das canções mais mordazes e divertidas que alguém já compôs em qualquer língua sobre o casamento, To keep my love alive.

(Essas e outras maravilhas de Rodgers e Hart estão em dois CDs de Ella Fitzgerald para o selo Verve, o mais famoso da história do jazz, Ella Fitzgerald sings the Rodgers & Hart songbook. Para descarregar clique em

http://www.rapidshareindex.com/Ella-Fitzgerald-The-Rogers-And-Hart-Songbook-Volumes-1-2-1956-Verve-Digitally-Remastered-By-Dennis-Drake-_377677.html

– esse link oferece também as capas dos CDs.)

“CALIFORNIA, HERE I COME”

Enquanto a dupla estourava nos palcos nova-iorquinos, o cinema ganhava som, e os estúdios contratavam com propostas irresistíveis – em termos de dinheiro – quem quer que fosse capaz de produzir boas canções para filmes musicais. Assim, em 1931 Rodgers e Hart, como tantos outros grandes da Broadway, deixaram-se seduzir pelo ouro de Hollywood e se mudaram para lá. As obras-primas continuaram: em Ama-me esta noite (Love me tonight, de 1932, de Rouben Mamoulian), eles apresentaram Isn’t it romantic?, reaproveitada em 1954 em Sabrina, de Billy Wilder. A canção voltaria em 1974 no sombrio e excelente O dia do gafanhoto (The day of the locust), de John Schlesinger.

Para o filme Venturoso vagabundo (Hallelujah, I’m a bum), de 1933, com o cantor Al Jolson, Rodgers & Hart compuseram uma de suas canções mais bem-elaboradas e injustamente esquecidas: You are too beautiful. Frank Sinatra gravou-a nos anos 40 com pouco êxito, e em 1963 ela voltou – de novo apenas com repercussão entre um público mais sofisticado – na voz de um cantor que também seria injustamente esquecido. Mas o intérprete e a gravação ressuscitaram no filme de Clint Eastwood As pontes de Madison (The bridges of Madison County), de 1995. O cantor era Johnny Hartman, e quem o acompanhava era ninguém menos que o lendário saxofonista John Coltrane e seu quarteto. O álbum dos dois que contém You are too beautiful está em

http://www.filestube.com/c1e5b4d89ed4b38503e9,g/jocjoh-mfsl-1963.html

A “RECEITA INFALÍVEL” PARA O SUCESSO

Apesar de terem composto algumas obras-primas nesse período, Rodgers e Hart não se deram bem em Hollywod. Ambos estavam acostumados a interferir mais diretamente na produção de cada peça na Broadway e se ressentiam ao ver suas criações retalhadas ou excluídas dos filmes sem critério nenhum e sem nenhuma consulta a seus autores. Porém, houve um caso em que a insistência de um dos “operadores” da máquina hollywoodiana teve resultados surpreendentes – acima de tudo, para os próprios Rodgers e Hart.

Em 1933 a dupla recebeu encomenda de uma canção para um musical da MGM chamado Hollywood party. A atriz Jean Harlow deveria cantarolar a melodia como se fosse uma oração, pedindo a Deus que fizesse dela uma grande estrela do cinema. Rodgers & Hart compuseram então, Prayer, ou Prece, Oração. A canção não foi usada, e a cena em que Harlow deveria cantar alguma coisa sequer foi filmada.

Tempos depois, a dupla recebeu outra encomenda para a canção-título de Vencido pela lei (Manhattan melodrama, 1934), que não era um musical, com Clark Gable, Myrna Loy e William Powell. Rodgers resolveu ressuscitar a melodia desprezada – que ganhou nova letra e o nome It’s just that kind of play, mas os produtores não gostaram e desistiram de usar canção-título no filme. No entanto, solicitaram outra canção para uma cena num clube noturno. Prayer/It’s just that kind of play ganhou então nova letra de Hart e se transformou em The bad in every man. Desta vez a canção até foi usada na trilha sonora do filme, em interpretação de Shirley Ross, e teve sua partitura devidamente publicada, mas ninguém prestou muita atenção; os autores decidiram esquecê-la.

O diretor da editora de música do estúdio, Jack Robbins, não concordou; persuadiu os dois a remodelar o tema e prometeu fazer da nova versão um sucesso. Sem muita fé, e depois de muita insistência por parte de Robbins, Rodgers compôs uma introdução e fez alguns ajustes na música. O igualmente relutante Hart escreveu a quarta letra, com uma abordagem bem mais romântica, como Robbins havia sugerido – e a história de fracasso parecia que ia se repetir. Porém, Jack Robbins convenceu os produtores do programa de rádio Hollywood Hotel a comprar os direitos da canção para usá-la como tema; e em 15/01/1935 ele produziu uma gravação da canção com Connee Boswell (1907-1976, reconhecida por Ella Fitzgerald como uma de suas maiores inspiradoras). E assim se iniciou uma carreira surpreendentemente vitoriosa para a até então menosprezada composição.

Quando alguém lhe perguntava se descobrira o segredo da “receita infalível para o sucesso”, Rodgers contava essa história. E comentava que a tal canção, que em sua última forma se fixou como Blue Moon, tornou-se um dos maiores e mais duradouros êxitos de sua parceria com Hart. Nunca a canção fôra gravada com sua requintada introdução até 1973 (quase 40 anos depois de composta!), quando Tony Bennett o fez para o álbum duplo The Rodgers & Hart songbook. Bennett, ativíssimo apesar de seus mais de 83 anos, não se cansa de dizer que esse é um dos trabalhos de que mais se orgulha. Conheça-o em

http://www.filestube.com/fe16558baa44d13103e9,g/Tony-Bennett-The-Rodgers-And-Hart-Songbook.html

ANÚNCIO PRA NINGUÉM COMPRAR GRAVAÇÃO DE BLUE MOON

O compositor comentava com ironia que prayer foi a única palavra-chave que se manteve em todas as letras feitas por Hart para a melodia. Apesar de seu sentido (“oração”), Rodgers dizia que esse simples apelo às forças divinas não explicava o tremendo e absolutamente inesperado sucesso de Blue Moon.

Mas a canção ainda seria motivo de aborrecimento (artístico, pelo menos) para Rodgers. Em 1961, o conjunto vocal The Marcels gravou às pressas Blue Moon para completar as quatro canções de um EP (Extended Play, o irmão do meio do LP). Para não perder o costume, Rodgers ficou furioso, agora por causa da alteração do ritmo e do andamento; e, ainda, do arranjo mais puxado para rock’n’roll, inclusive com uma introdução feita com scat singing (canto sem palavras) que nada tinha a ver com a linha melódica e imitava um artifício já usado pelos mesmos The Marcels em gravação feita pouco tempo antes. Rodgers ameaçou processar os perpetradores de tal crime e chegou a publicar anúncios em jornais para que ninguém comprasse o nefando disco. Nada disso impediu o estouro planetário da gravação – que teima em ressuscitar periodicamente há décadas, em trilhas sonoras de filmes, séries e novelas de TV. Rodgers mal pôde conter a raiva, mas não consta que tenha ficado infeliz com a montanha de dinheiro que certamente ganhou com essa gravação de Blue Moon. (Nem seus herdeiros, claro...)

“BROADWAY, WE’RE BACK IN BUSINESS!”

Em sua fase hollywoodiana Rodgers & Hart inadvertidamente se especializaram em criar obra-primas para filmes medíocres. Outro exemplo é It’s easy to remember, de uma produção bem chinfrim, Mississipi, de 1935, com Bing Crosby (que interpretava a canção no filme). Billie Holiday e outros grandes intérpretes ajudaram a imortalizá-la. O belo registro de Billie está em seu penúltimo álbum, Lady in satin (1958):

http://nobrasil.org/0016-billie-holiday-lady-in-satin/

Mas era inevitável que, em face da desorganização dos estúdios e da insensibilidade dos produtores, Rodgers e Hart se cansassem de Hollywood. No fim do contrato que tinham assinado, os dois voltaram em 1935 à Broadway, loucos para se restabelecerem como autores de teatro – e mostraram a que tinham vindo, pois produziram um número incrível de sucessos nos anos seguintes. Um deles foi Babes in arms, de 1937, que por ironia seria filmado 2 anos depois com Judy Garland e Mickey Rooney e iria muito bem nas bilheterias. Para esse musical Rodgers e Hart compuseram a indestrutível The lady is a tramp, que se tornaria praticamente propriedade particular de Frank Sinatra, apesar de gravada por muita gente, e reapareceria em outras peças de teatro e filmes. Vale a pena ver Sinatra cantando The lady is a tramp para Rita Hayworth em trecho do filme Pal Joey (Meus dois carinhos, 1957) em

http://www.youtube.com/watch?v=cmMyFCXIp0Q

Pra variar, Rodgers ficou furioso também com esse filme. Na Hollywood dos anos 50, o cafetão e supercafajeste Joey da peça original (de 1940) virou um tipo até agradável e bonzinho. Tudo por obra e graça do procedimento habitual (imposto pela censura oficial e pela autocensura dos estúdios) de edulcorar originais cheios de ambigüidades a fim de não chocar a puritana América – e o compositor nada pôde fazer. Isso porque ele e Hart haviam vendido os direitos à Columbia Pictures no início dos anos 40 sem colocar nenhuma cláusula de controle quanto à adaptação do material. Na época, o compositor ainda não sabia como escapar dessas malandragens. Mais tarde, porém, sob orientação de Oscar Hammerstein II, ele tomaria as devidas providências para não cair nessa de novo.

Mais uma vez, apesar do ódio de Rodgers e de críticas desfavoráveis, o filme fez muito sucesso. E tem bom nível, pois o diretor George Sidney era do ramo. Além disso, as canções, mesmo tendo sido retiradas de outras peças e “sanitizadas” para ajudar a compor a edificante história na tela, são, como sempre, da mais alta qualidade – e os arranjos do competentíssimo Nelson Riddle são uma atração à parte. Confira em

http://rs667.rapidshare.com/files/291362700/Pal_Joey__Richard_Rodgers___1957__Soundtrack.rar

A fúria de Rodgers com o filme, porém, não foi à toa. A encenação original de Pal Joey tinha causado enorme furor na Broadway ao estrear em pleno dia de Natal de 1940. Baseada no romance homônimo de John O’Hara, a peça não tinha nada do mundinho de sonhos habitual do gênero. Personagens dissimulados e manipuladores se revelavam em toda a sua surpreendente ambigüidade – e até mau-caratismo – em canções cheias de malícia e segundas, terceiras, quartas intenções.

Mas é claro que nem só de maldade vive o homem, ou melhor, o criador de peças musicais. Rodgers e Hart sabiam exprimir também melancolia com muita beleza, como em Spring is here, de I married an angel, de 1938. Essa canção ganhou belíssima interpretação de Carly Simon no superlativo álbum Torch, de 1981, que pode ser descarregado em

http://rapidshare.com/files/285820789/Torch.rar

com a senha (password) Mussiqa.Net

NOVA PARCERIA – E MUITO MAIS SUCESSO

Apesar de tanto êxito na volta à Broadway, Larry Hart não parava de beber, e seu organismo, submetido durante décadas a um impiedoso massacre de álcool, charutos e boemia, não agüentou. A parceria chegou ao fim com a morte dele em 1943, aos 48 anos. Oscar Hammerstein II substituiu Hart. O primeiro espetáculo da nova dupla, Oklahoma!, em 1943 mesmo, marcou a fusão da comédia musical a que Rodgers estava habituado com as características da opereta dominadas por Hammerstein. Seguiram-se Carousel (Carrossel, 1945), Allegro (1947), South Pacific (Ao sul do Pacífico, 1949), The king and I (O rei e eu, 1951), Me and Juliet (1953), Pipe dream (1955), Flower drum song (Flor de lótus, 1958) e The sound of music (A noviça rebelde, 1959).

Com o novo parceiro Rodgers deu mais sorte no cinema. Multidões no mundo inteiro se familiarizaram com canções como Oh what a beautiful mornin’, de Oklahoma!; If I loved you, de Carrossel; Shall we dance?, de O rei e eu; e My favorite things, de A noviça rebelde.

No total, os musicais de Rodgers e Hammerstein conquistaram 34 prêmios Tony, quinze Oscar, dois Pulitzer, dois Grammy e dois Emmy. Em 1998 a revista Time e a CBS News colocaram Rodgers e Hammerstein entre os vinte artistas mais influentes do século XX; e em 1999 a dupla foi homenageada com um selo do Correio americano. Hammerstein tinha estudado Direito e era de uma família ligada ao teatro por várias gerações. Entendia muito bem de administrar toda a engrenagem da fábrica de sonhos americana e formou com Rodgers empresas que passaram a controlar todo o acervo artístico do compositor, tanto da época com Hart quanto da parceria com o próprio Hammerstein.

Por tudo isso e pela grande amizade entre ambos, Rodgers sentiu bastante a morte de Hammerstein em 1960: ele confessou em sua autobiografia que ficou perdido e se viu obrigado a procurar novo parceiro, mas sem o sucesso das vezes anteriores. De início Rodgers compôs para a Broadway sozinho: No strings (1962, premiada com dois Tony por música e letras); e depois com outros parceiros: Do I hear a waltz? (1965, com Stephen Sondheim); Two by two (1970, com Martin Charnin); Rex (1976, com Sheldon Harnick); e I remember Mama (1979, com Martin Charnin e Raymond Jessel).

Sozinho Rodgers compôs também as canções de uma adaptação para a TV da peça de Bernard Shaw (1856-1950) Ândrocles e o leão (1967). Seu balé Ghost town estreou em 1939. Compôs duas partituras para documentários de TV: Victory at sea (1952), premiado com um Emmy, um Disco de Ouro e uma comenda da Marinha americana; e The valiant years (1960). O já mencionado Assassinato na 10ª Avenida (Slaughter on Tenth Avenue), do musical On your toes (1936), ganhou vida própria e é apresentado regularmente como número de dança ou em versão orquestral.

Richard Rodgers morreu em casa, em Nova York, em 30 de dezembro de 1979, aos 77 anos. Em 1990 o tradicional Teatro da Rua 46 passou a se chamar Teatro Richard Rodgers. Ele abriga a Galeria Richard Rodgers, com coleções de documentos e objetos relativos a sua vida e obra. Os musicais que ele criou em mais de 60 anos de carreira são constantemente reencenados em vários países e se mantêm entre os melhores exemplos da criatividade alcançada pela indústria americana do entretenimento no século XX.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

UM ESPETÁCULO DE RARA BELEZA E ENTUSIASMO NA TV ABERTA

Meu mestre Julio Medaglia teima em defender música de qualidade... e não fica só na palavra. Em 2005 o maestro inventou e desde então apresenta pela TV Cultura de São Paulo o Prelúdio, programa de calouros que tem uma grande originalidade: os que tentam a sorte para a carreira artística nesse programa são músicos de formação erudita e devem se apresentar executando peças do repertório tradicional e contemporâneo dos autores clássicos.

No último domingo, dia 6, o Prelúdio chegou à grande final deste ano, com a apresentação de quatro finalistas: Ricardo Barbosa, oboísta; Mizael Júnior, violinista; Jonathan Garcia e Maikel Morelli, saxofonistas, todos com idade em torno de 20, 20 e poucos anos. Eles foram chamados ao palco pela apresentadora Estela Ribeiro e receberam aplausos entusiasmados da platéia que lotava a esplêndida Sala São Paulo.

Além do nível extraordinário dos competidores, outra característica do evento que me chamou a atenção foi a grande presença de jovens e de pessoas que normalmente não iriam a um espetáculo desse gênero. O ingresso era gratuito, e houve até quem ficasse de fora.

Ao ver a multidão muito animada durante a entrada dos músicos e completamente seduzida durante todas as apresentações – e ao ouvir os aplausos muitíssimo calorosos ao fim de cada uma delas –, me lembrei de algo que me intriga há muito tempo. Em dezembro de 2006, durante viagem de trabalho a Bruxelas, tive a oportunidade de assistir a um concerto da excelente cantora americana Madeleine Peyroux numa belíssima sala de espetáculos. Paguei então cerca de 30 reais para vê-la, e o lugar era muito bom. No ano seguinte, a celebrada Ms. Peyroux se apresentou aqui em São Paulo, e o ingresso mais barato custava em torno de 150 reais. Alguém pode explicar por que acontece uma diferença tão abissal como esta? Ao que consta, em média nossos amigos belgas desfrutam de uma renda per capita muito mais alta que a da imensa maioria de nós brasileiros.

É claro que não dá pra fazer apenas espetáculos gratuitos, mas eles são uma forma eficiente de atrair públicos novos, especialmente os jovens. Em entrevista gravada para o Roda Viva da TV Cultura em setembro de 2005, perguntei ao maestro Zubin Mehta se ele continuava a fazer espetáculos gratuitos e ao ar livre, lembrando que ele tinha batido recorde de público no Ibirapuera, em São Paulo, em 1987, com a Filarmônica de Nova York. O maestro respondeu:

“Faço isso constantemente, principalmente nos meses de verão. Nós lembramos do Ibirapuera com muito amor, porque lembro que, uma vez, fiz uns três concertos lá. Uma vez estava chovendo, e o público foi de oitenta mil pessoas, com guarda-chuvas. Com a Filarmônica de Nova York e a de Israel, fizemos um concerto na praia de Botafogo, no Rio. Tocamos na praia, metade do público estava na areia, metade estava na água. Foi estupendo. O que é maravilhoso é que esses concertos são grátis. Precisamos construir não só nosso futuro público, como a nossa futura orquestra que vem da favela, e o futuro público precisa vir da praia também. É muito importante. No Central Park nós tocávamos todo ano, quando eu estava com a Filarmônica de Nova York. Às vezes, quando havia fogos de artifício, o público era de trezentas mil pessoas. É bom usar fogos de artifício, se isso atrair o público. Tocamos a 1812, de Tchaikovsky, e eles adoraram. Fizemos um concerto gratuito em Viena, em frente ao Schönbrunn, um lindo palácio nas imediações de Viena, noventa mil pessoas compareceram. A Filarmônica de Viena também está começando a pensar assim e não apenas em fazer concertos no Musikverein (uma das mais famosas salas de concerto do mundo, sede da Filarmônica de Viena). Em Munique também fiz um concerto gratuito. Fazemos isso o tempo todo, e é muito saudável”.

O programa apresentado por Julio Medaglia e Estela Ribeiro não só está igualmente cumprindo essa função como ainda dá oportunidade a jovens artistas de se apresentar em público, em teatros do mais alto gabarito, com a ótima orquestra comandada pelo maestro Medaglia, e ganhar experiência para se firmar na difícil carreira de músico erudito num concerto pra valer – frente a uma platéia cada vez mais envolvida com o espetáculo.

Uma parte (infelizmente) reduzida do público telespectador teve o bom gosto de acompanhar a empolgante final do Prelúdio em casa pela TV Cultura. O resto ficou vendo a bobajada habitual que a TV aberta oferece. Como diria Ruy Castro, pior para eles.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

50 ANOS SEM VILLA-LOBOS E UMA BELA PEÇA ESQUECIDA

Há muitos anos, ainda estudante secundário no interior, ao acordar bem cedo para ir a aulas de educação física, eu aproveitava para ouvir um tema que era o prefixo musical da Rádio Eldorado de São Paulo. Pontualmente às 6 horas da manhã, ia ao ar uma gravação com aquela melodia meio distante, evocativa, etérea e de poderoso fascínio... Anos mais tarde, já vivendo em São Paulo, liguei para a Rádio Eldorado e então soube que aquele tema era de Villa-Lobos e se chamava Saudades das selvas brasileiras. Composto e publicado em Paris em 1927, era executado pelo pianista Homero Magalhães.

Por causa de sua identificação com a Rádio Eldorado – uma das emissoras que mais influenciaram o gosto musical em minha família –, Saudades das selvas brasileiras tornou-se uma verdadeira obsessão para mim. Descobri que ela foi tocada em público pela primeira vez em 14/03/1930, em Paris, no Festival de Música Moderna, na Sala Chopin, pela pianista Janine Cools.

Dizem que Saudades das selvas brasileiras foi uma resposta de Villa-Lobos a Saudades do Brasil (1920), do compositor francês Darius Milhaud, que viveu de 1914 a 1918 no Brasil, como secretário particular do poeta e diplomata Paul Claudel, então embaixador da França no Rio de Janeiro.

Seja como for, Saudades das selvas brasileiras foi minha introdução ao vasto universo musical de Heitor Villa-Lobos (Rio de Janeiro, 5 de março de 1887 – Rio de Janeiro, 17 de novembro de 1959), considerado o criador de uma linguagem “brasileira” na música erudita, com a incorporação de elementos folclóricos, populares e indígenas, resultado de suas viagens e pesquisas pelo Brasil.

Em 1964 fez grande sucesso o Samba em prelúdio, de Baden Powell e Vinicius de Moraes, sobre o qual existe uma história bem engraçada no endereço

http://bossa-mag.spaceblog.com.br/204003/Samba-em-Preludio-A-Musica-que-Chopin-Esqueceu-de-Fazer/

No entanto, quando surgiu nos cinemas, no mesmo ano, Deus e o diabo na terra do sol, um trecho da música do filme me chamou a atenção: era igualzinho à melodia de Samba em prelúdio. Um pouco de pesquisa revelou que o tal trecho era o Prelúdio de uma das Bachianas de Villa-Lobos, a de Nº 4. Por que será que Baden, Vinicius e a então mulher do poeta, a pianista Lúcia Proença, não teriam percebido que o “plágio” não era de Chopin, e sim de Villa-Lobos? Ou essa história não tem lá tanto fundamento?

O que importa nisso tudo é que me dei conta de que o compositor erudito brasileiro mais conhecido influenciava fortemente nossa música popular. Mais ou menos na mesma época Antonio Carlos Jobim afirmava com todas as letras – e muito mais autoridade – que para ele o Mestre era Villa-Lobos.

Mas a realidade teima em dar voltas. Ao ler biografias e estudos sobre Villa-Lobos, verifiquei que o contrário tinha acontecido antes. O compositor recebeu instrução musical do pai, Raul Villa-Lobos, músico amador, que morreu quando Villa-Lobos tinha 12 anos. Para ganhar a vida, Heitor começou a tocar violoncelo em locais populares, como teatros e cafés, e em salões de baile. Foi então que Villa-Lobos descobriu os chorões – músicos que compunham e executavam chorinhos –, passou a conviver e a tocar com eles e incorporou muito do que ouviu e aprendeu de música popular. Foi nessa época que adotou também o violão como um de seus instrumentos. Sorte nossa... A produção para violão de Villa-Lobos é das melhores que existem.

Com o conhecimento formal que tinha de música européia, a influência dos chorões e do que pesquisou em várias regiões do Brasil, Villa-Lobos criou seu próprio estilo e não se “filiou” a nenhuma tendência “oficial”. Mas demonstrou simpatia pelo movimento artístico liderado por Oswald de Andrade e Mário de Andrade e participou da Semana de Arte Moderna de São Paulo em 1922.

Entre 1923 e 1930 Villa-Lobos viveu em Paris. De volta ao Brasil, batalhou pela instituição do canto orfeônico e do ensino da música nas escolas oficiais do país. Continuou a compor até o fim da vida e até se arriscou no cinema. Segundo Irineu Franco Perpétuo, no endereço

http://www1.folha.uol.com.br/folha/sinapse/ult1063u104.shtml

“Villa-Lobos escreveu duas trilhas sonoras para o cinema. A primeira, para o filme O descobrimento do Brasil (1937), de Humberto Mauro, acabou resultando na composição de quatro suítes orquestrais, que foram gravadas pelo maestro Roberto Duarte. A segunda foi a trilha sonora do filme A flor que não morreu (Green mansions, 1959), da MGM, de Mel Ferrer, protagonizado por Audrey Hepburn. O compositor Bronislau Kaper, que mexeu bastante na partitura, dividiu os créditos da música que foi às telas. Descontente, Villa-Lobos acabou compondo A floresta do Amazonas, para soprano, coro masculino e orquestra, para restaurar suas intenções originais”.

A gravação de A floresta do Amazonas, a última feita por Villa-Lobos – à frente da Sinfônica do Ar em Nova York (1959), com a soprano Bidu Sayão – ficou décadas fora de catálogo até ressurgir em CD no Brasil em 1996.

Saudades das selvas brasileiras não teve a mesma sorte. Poucos artistas a gravaram, entre eles os brasileiros Cristina Ortiz e Roberto Szidon. As gravações de ambos são bem difíceis de encontrar. A de Roberto Szidon, a mais completa e, para mim, a mais bonita, é do LP Música para piano de Villa-Lobos, feito para a Deutsche Grammophon em 1976. Esse disco foi editado no Brasil em tiragem limitada e logo se esgotou. Nunca apareceu em CD por aqui, apesar de sua alta qualidade artística e de conter várias das peças mais importantes de Villa-Lobos para o instrumento. Por uma dessas estratégias de mercado que ninguém consegue explicar direito, a Deutsche Grammophon reuniu as gravações de Música para piano de Villa-Lobos com outras de Szidon para a gravadora e as publicou no álbum com dois CDs Piano music of the Americas, à venda em sites americanos, europeus e japoneses – e nunca editado no Brasil, até agora. Pode ser baixado em

http://classic4everyone.blogspot.com/2009/08/piano-music-of-americas.html

por quem quiser conhecer o excelente Szidon e suas belas interpretações de Gershwin, Charles Ives e, claro, Villa-Lobos. Saudades das selvas brasileiras está no CD 2.

Recomendo:

http://vidadepoisdos50.blogspot.com/

O autor é meu amigo Marcos de Guide, jornalista e músico da maior competência.

domingo, 29 de novembro de 2009

100 ANOS DE JOHNNY MERCER E 110 ANOS DE HOAGY CARMICHAEL

Dois grandes compositores americanos têm muito em comum, além do fato de terem sido parceiros em 36 canções. Eles são Johnny Mercer e Hoagy Carmichael. Para quem quer um cartão de visita, Mercer é o autor, por exemplo, da letra da canção Moon River. E Carmichael é o autor da melodia de Stardust.

Eles tinham em comum também o mês em que nasceram. Johnny Mercer, em 18 de novembro de 1909. Hoagy Carmichael, 22 de novembro de 1899. Portanto, neste mês se comemoraram os 100 anos de Mercer e os 110 de Carmichael.

Johnny Mercer, autor de mais de 1000 canções, recebeu dezoito indicações para o Oscar e levou 4 prêmios Oscar de melhor canção. Ele nasceu em Savannah, Estado da Geórgia.

É mais fácil dizer o que Johnny Mercer deixou de fazer do que enumerar tudo o que ele fez. Só para ter uma idéia, além de cantor e compositor ele também foi ator, apresentador de rádio e TV, roteirista de rádio, cinema e TV e fundador de uma das maiores gravadoras do mundo, a Capitol americana. Henry Mancini, seu parceiro de tantos sucessos e dois prêmios Oscar de melhor canção, costumava dizer que Johnny Mercer era também um grande pintor e se orgulhava de possuir vários quadros do amigo.

Depois de uma experiência como ator em sua cidade natal, Savannah, Johnny Mercer foi para Nova York em fins dos anos 20 e começou a trabalhar numa editora de música. Em 1930 uma canção dele, intitulada Out of breath and scared to death of you, com música de Everett Miller, foi publicada, gravada e usada num espetáculo da Broadway, Garrick Gaieties, de 1930. Daí em diante ele nunca mais parou de compor, sozinho ou em parceria com uma verdadeira lista telefônica de grandes compositores (o site de Mercer situa o número de parceiros dele em torno de 100).

Depois de trabalhar com o maestro Paul Whiteman, Johnny Mercer acabou indo para Hollywood e, de 1935 até os anos 70, compôs diretamente para cerca de 60 filmes. E é quase impossível contar em quantos outros filmes canções dele foram usadas, antes e depois de sua morte, em 25 de junho de 1976. Um dos primeiros grandes sucessos de Mercer é Jeepers’ creepers, parceria com Harry Warren, do filme Going places ou Coragem a muque, de 1939. Jeeper’s creepers reapareceria no perturbador The day of the locust ou O dia do gafanhoto, de 1975. Ficou mundialmente conhecida com a antológica gravação de Louis Armstrong e sua orquestra, de 18 de janeiro de 1939, e continua sendo regravada até hoje, como muitas das canções de Johnny Mercer. Aliás, segundo levantamentos de entidades arrecadadoras de direitos autorais, não passa um dia sem que, em algum lugar do planeta, melodias e letras de Johnny Mercer sejam reproduzidas, em rádio, TV, cinema, Internet etc.

Já na letra de Jeeper's creepers Johnny Mercer provou que sabia utilizar muito bem palavras estranhas e combinar com perfeição onomatopéias. E em toda a sua carreira ele mostraria competência e elegância em praticamente todos os gêneros, fazendo rimas inesperadas e transformando até banalidade em poesia.

Uma das letras mais requintadas e menos conhecidas de Mercer é a que ele fez para Out of this world, em parceria com Harold Arlen, para um filme medíocre que tinha o mesmo nome, de 1945. A canção, porém, é excepcional, principalmente pelos versos "No armored knight was more enchanted by a Lorelei than I" (“Nenhum cavaleiro em armadura ficou mais encantado por uma Lorelei do que eu”). Lorelei é aquela famosa sereia do rio Reno que, na mitologia germânica, atraía marinheiros para a morte no fundo do rio com o seu canto irresistível. Esquecida por cerca de 20 anos, Out of this world ressuscitou numa esplêndida gravação de Tony Bennett, no LP For once in my life, lançado em 6 de dezembro de 1967, com arranjo e regência de Marion Evans.

O cinema não se cansa de aproveitar criações de Johnny Mercer, mesmo que não tenham sido feitas diretamente para algum filme. Uma das mais famosas, Dream, tem letra e melodia dele. Foi composta em 1944 para o programa de rádio The Chesterfield Show e utilizada, entre outros, no filme Carnal knowledge ou Ânsia de amar, de 1971, na voz de Frank Sinatra, em gravação de 1960, com arranjo e regência de Nelson Riddle. Também acompanhada por Riddle, Ella Fitzgerald incluiu Dream no álbum The Johnny Mercer songbook, gravado em 1964.

Outro enorme sucesso de Johnny Mercer é On the Atchison, Topeka and the Santa Fe. Com música de Harry Warren, esta canção foi composta para o musical da Metro com Judy Garland The Harvey girls ou As garçonetes de Harvey, lançado em 1946, e ganhou o Oscar daquele ano.

A marca registrada de Johnny Mercer era habilidade para lidar com qualquer situação e qualquer tipo de palavra. Por exemplo, Too marvelous for words foi escrita em parceria com Richard Whiting para o filme Ready, willing and able ou Amor de opereta, de 1937, com Ruby Keeler e Lee Dixon dançando ao som dessa canção sobre uma gigantesca máquina de escrever. Uma das peculiaridades dessa letra é o uso da palavra dicionário: "You're much, too much, and all too very very / To ever be in Webster's Dictionary". A dupla Sinatra-Riddle, com a classe habitual, revisitou essa canção nos estúdios da Capitol em 16 de janeiro de 1956. E em fevereiro de 1982 outra dupla de respeito, Jackie Cain & Roy Kral, trouxe de volta Too marvelous for words, no álbum High standards.

Amigos e colegas de Johnny Mercer diziam que morriam de inveja da habilidade dele com as palavras e gostavam de citar como exemplo as rimas entre chalice, palace e aurora borealis (cálice, palácio e aurora boreal) da canção Midnight Sun:

Your lips were like a red and ruby chalice, warmer than the summer night
The clouds were like an alabaster palace rising to a snowy height.
Each star its own aurora borealis, suddenly you held me tight
I could see the Midnight Sun.

Mercer compôs a letra em 1954 ao ouvir no rádio do carro um tema composto pelo vibrafonista Lionel Hampton em 1947. Extremamente sofisticada em melodia e versos, Midnight Sun teve antológica interpretação de Tony Bennett, com arranjo e regência de Robert Farnon, em gravação de 1972.

Johnny Mercer ainda se dava ao luxo de ressuscitar canções que nunca tinham dado certo com outros letristas. Glow worm foi escrita para a opereta Lisístrata, de 1902, por Paul Lincke. Durante anos ganhou várias letras até que a de Johnny Mercer em meados dos anos 1940 eliminou a concorrência. O próprio Mercer se encarregou de popularizar Glow worm em disco em dezembro de 1947, acompanhado por coro e orquestra, com arranjo e regência de Alvino Rey.

Uma das parcerias mais bem-sucedidas da carreira de Johnny Mercer foi a que ele formou com Henry Mancini. Os dois estabeleceram um recorde ao levar o Oscar de melhor canção em dois anos seguidos: em 1961 por Moon river, de Bonequinha de luxo ou Breakfast at Tiffany's, e em 1962 por Days of wine and roses, do filme que tinha o mesmo título em inglês e se chamou Vício maldito no Brasil. Curiosamente, em sua autobiografia Henry Mancini conta que, ao lhe entregar a letra de Moon river, Mercer comentou que a canção não teria êxito comercial. Errou por muito: Moon river foi um dos maiores sucessos da dupla Mancini-Mercer e continua a ser gravada por diferentes gerações de intérpretes da canção americana.

O outro autor focalizado nesta postagem é Hoagy Carmichael. Ele nasceu em Bloomington, Indiana, em 22 de novembro de 1899. Ainda menino aprendeu a tocar piano com a mãe, que era pianista no cinema da cidade nos tempos do cinema mudo. Quando ele tinha 16 anos a família mudou-se para Indianápolis, e Hoagy teve aulas com um pianista negro de ragtime, Reggie Duval. Pouco tempo depois ele entrou para a Faculdade de Direito da Universidade local e se formou em 1926. Enquanto tocava com vários músicos de jazz que conhecia, exercia a profissão de advogado. Depois de ter duas composições, Riverboat shuffle e Washboard blues, publicadas e gravadas por alguns músicos de jazz, Carmichael decidiu se tornar ele também músico em tempo integral em 1927. Um de seus melhores amigos era o conhecido cornetista Bix Beiderbecke, que inspirou algumas composições de Carmichael. Em 1936 ele foi para Hollywood e nunca mais parou de trabalhar no cinema como compositor e ator.

Johnny Mercer e Hoagy Carmichael foram parceiros em várias canções para o teatro e para o cinema. Uma das mais conhecidas da dupla é a que ganhou o Oscar de 1951, In the cool, cool, cool, of the evening, composta para o filme de Frank Capra Here comes the groom ou Órfãos da tempestade, com Bing Crosby, que popularizou a canção também em disco. Fiel à sua própria afirmação de ser "100% imitador de Bing Crosby", Dean Martin gravou In the cool, cool, cool, of the evening em abril de 1951, com arranjo e regência de Dick Stabile. E a onipresente dupla Sinatra-Riddle também deixou seu registro da canção em 1964.

Mercer e Carmichael compuseram Skylark para um espetáculo da Broadway intitulado Young man with a horn em 1942, inspirado na vida do cornetista Bix Beiderbecke, amigo de Hoagy Carmichael. A peça acabou virando filme com o mesmo nome em 1950, com o próprio Carmichael fazendo um pequeno papel. No Brasil o filme se chamou Êxito fugaz. Outra característica comum: como Johnny Mercer, Hoagy Carmichael também era muito bom cantor. O registro de Skylark, com Hoagy Carmichael, voz e piano, arranjo e regência de Johnny Mandel, é de setembro de 1956.

Também como Johnny Mercer, Hoagy Carmichael não se limitou a um só parceiro. Um deles foi Frank Loesser, com quem ele compôs em 1938 a canção Small fry, para o filme Uma família gozada (Sing, you sinners), com Bing Crosby, Fred MacMurray e um jovem promissor chamado Donald O’Connor. O incomparável conjunto vocal The Hi-Lo’s deu a esse tema tratamento requintado em 1959, com arranjo para vozes do líder Gene Puerling e instrumental de Marty Paich, à frente de seu fabuloso Decteto, com músicos como Jack Sheldon no trumpete, Bill Perkins, Herb Geller e Bud Shank nas palhetas.

E, pra (não) variar, mais um traço em comum com Johnny Mercer: Hoagy Carmichael também compunha sozinho. O melhor exemplo disso é a belíssima I get along without you very well, de 1938. Numa de suas últimas sessões em estúdio Billie Holiday deixou pungente interpretação desse tema, com arranjo e regência de Ray Ellis, gravação de 20 de fevereiro de 1958 para o álbum Lady in satin, que ela fez para a Columbia. Carly Simon seguiu os passos de Billie e também fez extraordinário registro de I get along without you very well no igualmente belo álbum Torch, de 1981.

Algumas das criações mais conhecidas de Hoagy Carmichael demoraram para agradar o público. O exemplo mais incrível é o da hoje famosíssima Georgia on my mind, composta em 1930 com letra de Stuart Gorrell. Esquecida por trinta anos, tornou-se um êxito mundial indestrutível na voz de Ray Charles. O motorista de Ray costumava cantarolar a canção e sugeriu ao patrão que a gravasse, o que aconteceu em 25 de março de 1960, com arranjo e regência de Ralph Burns.

Uma canção de 1937, The nearness of you, feita em parceria com o letrista Ned Washington para o filme A princesa e o galã ou Romance in the dark, tornou-se um dos maiores sucessos de Carmichael e conta com número bem expressivo de gravações, entre elas as de Sarah Vaughn, Keely Smith e Frank Sinatra.

Outra particularidade da carreira de Hoagy Carmichael está ligada à melodia que ele compôs em 1927, sugerida pelo estilo do amigo Bix Beiderbecke, com o nome de Barnyard shuffle. Ela ganhou letra de Mitchell Parish e o nome Stardust em 1929 e, em versão cantada ou instrumental, tornou-se a música mais gravada do século XX, segundo a Enciclopédia Penguin de Música Popular, publicada na Inglaterra. Curiosamente, durante quase 30 anos todo mundo praticamente se esqueceu da maravilhosa introdução feita por Carmichael para esta canção. Em gravação de 19 de dezembro de 1956, Nat King Cole e o maestro-arranjador Gordon Jenkins restabeleceram a verdadeira obra-prima que é essa introdução, que seria gravada até sozinha por Frank Sinatra e o maestro-arranjador Don Costa em 1961.

Johnny Mercer e Hoagy Carmichael estão entre os grandes nomes da indústria americana do entretenimento do século XX. Juntos ou com outros parceiros, deixaram um número enorme de canções importantíssimas – um legado de grande beleza e alta qualidade artística.

Blog no ar




Olá, amigas e amigos, cambada de pensantes ou não-pensantes!


Atendendo a alguns pedidos e, como diria o saudoso mestre Fausto Canova, em face de uma série de ameaças, vou dar as caras por aqui.


As primeiras postagens vão ser mais na linha exploratória. De acordo com as reações de quem as comentar e com o que eu mesmo achar mais adequado, elas serão modificadas. E os eventuais erros apontados serão devidamente corrigidos.


De cara, um aviso: vivo de escrever há mais de 40 anos, já passei por várias reformas ortográficas, semânticas, léxicas, pedagógicas, verborrágicas, prolegomênicas, propedêuticas, oligofrênicas (como diria o saudoso Dimas Costa, meu primeiro grande mestre na Abril Cultural) e outras. Acho a atual reforma uma grande besteira, porque, até que alguém me prove o contrário, vai ajudar a criar textos ainda mais confusos do que os que vemos todos os dias em jornais, revistas e na própria Internet. Portanto, aos "corretores empedernidos" de plantão, aviso que vou continuar a escrever de acordo com regras mais ou menos bem definidas que tenho usado nos últimos tempos, sob a orientação do já citado mestre Dimas e também de outros dois grandes mestres, Eduardo Martins e Pasquale Cipro Neto, que conhecem o idioma muito melhor do que eu.

Advirto, outrossim (advérbio que o mestre Eduardo Martins detestava mas a gente "plantava" em textos no Estadão, a fim de desfrutar divertidos e infalíveis acessos de fúria dele) que, se algo parecer errado, será por culpa única e exclusiva deste locutor que vos fala, sem nenhuma participação ou conivência desses egrégios senhores. Os acertos, estes sim, se deverão a diretrizes por eles estabelecidas e adotadas não só por mim mas igualmente por muita gente de respeito no ofício.

Este blog abordará vários temas, com destaque para as artes. Mas haverá espaço para outros assuntos, com a preocupação de responder, na medida do possível, as contribuições de quem quiser se manifestar sobre o que aqui for escrito.

Tentativamente, haverá uma nova postagem a cada semana, em princípio às sextas-feiras.

Espero que quem arriscar uma olhada aqui proponha novas idéias, estimule o debate e, se possível, se entretenha.