UM ESPETÁCULO DE RARA BELEZA E ENTUSIASMO NA TV ABERTA
Meu mestre Julio Medaglia teima em defender música de qualidade... e não fica só na palavra. Em 2005 o maestro inventou e desde então apresenta pela TV Cultura de São Paulo o Prelúdio, programa de calouros que tem uma grande originalidade: os que tentam a sorte para a carreira artística nesse programa são músicos de formação erudita e devem se apresentar executando peças do repertório tradicional e contemporâneo dos autores clássicos.
No último domingo, dia 6, o Prelúdio chegou à grande final deste ano, com a apresentação de quatro finalistas: Ricardo Barbosa, oboísta; Mizael Júnior, violinista; Jonathan Garcia e Maikel Morelli, saxofonistas, todos com idade em torno de 20, 20 e poucos anos. Eles foram chamados ao palco pela apresentadora Estela Ribeiro e receberam aplausos entusiasmados da platéia que lotava a esplêndida Sala São Paulo.
Além do nível extraordinário dos competidores, outra característica do evento que me chamou a atenção foi a grande presença de jovens e de pessoas que normalmente não iriam a um espetáculo desse gênero. O ingresso era gratuito, e houve até quem ficasse de fora.
Ao ver a multidão muito animada durante a entrada dos músicos e completamente seduzida durante todas as apresentações – e ao ouvir os aplausos muitíssimo calorosos ao fim de cada uma delas –, me lembrei de algo que me intriga há muito tempo. Em dezembro de 2006, durante viagem de trabalho a Bruxelas, tive a oportunidade de assistir a um concerto da excelente cantora americana Madeleine Peyroux numa belíssima sala de espetáculos. Paguei então cerca de 30 reais para vê-la, e o lugar era muito bom. No ano seguinte, a celebrada Ms. Peyroux se apresentou aqui em São Paulo, e o ingresso mais barato custava em torno de 150 reais. Alguém pode explicar por que acontece uma diferença tão abissal como esta? Ao que consta, em média nossos amigos belgas desfrutam de uma renda per capita muito mais alta que a da imensa maioria de nós brasileiros.
É claro que não dá pra fazer apenas espetáculos gratuitos, mas eles são uma forma eficiente de atrair públicos novos, especialmente os jovens. Em entrevista gravada para o Roda Viva da TV Cultura em setembro de 2005, perguntei ao maestro Zubin Mehta se ele continuava a fazer espetáculos gratuitos e ao ar livre, lembrando que ele tinha batido recorde de público no Ibirapuera, em São Paulo, em 1987, com a Filarmônica de Nova York. O maestro respondeu:
“Faço isso constantemente, principalmente nos meses de verão. Nós lembramos do Ibirapuera com muito amor, porque lembro que, uma vez, fiz uns três concertos lá. Uma vez estava chovendo, e o público foi de oitenta mil pessoas, com guarda-chuvas. Com a Filarmônica de Nova York e a de Israel, fizemos um concerto na praia de Botafogo, no Rio. Tocamos na praia, metade do público estava na areia, metade estava na água. Foi estupendo. O que é maravilhoso é que esses concertos são grátis. Precisamos construir não só nosso futuro público, como a nossa futura orquestra que vem da favela, e o futuro público precisa vir da praia também. É muito importante. No Central Park nós tocávamos todo ano, quando eu estava com a Filarmônica de Nova York. Às vezes, quando havia fogos de artifício, o público era de trezentas mil pessoas. É bom usar fogos de artifício, se isso atrair o público. Tocamos a 1812, de Tchaikovsky, e eles adoraram. Fizemos um concerto gratuito em Viena, em frente ao Schönbrunn, um lindo palácio nas imediações de Viena, noventa mil pessoas compareceram. A Filarmônica de Viena também está começando a pensar assim e não apenas em fazer concertos no Musikverein (uma das mais famosas salas de concerto do mundo, sede da Filarmônica de Viena). Em Munique também fiz um concerto gratuito. Fazemos isso o tempo todo, e é muito saudável”.
O programa apresentado por Julio Medaglia e Estela Ribeiro não só está igualmente cumprindo essa função como ainda dá oportunidade a jovens artistas de se apresentar em público, em teatros do mais alto gabarito, com a ótima orquestra comandada pelo maestro Medaglia, e ganhar experiência para se firmar na difícil carreira de músico erudito num concerto pra valer – frente a uma platéia cada vez mais envolvida com o espetáculo.
Uma parte (infelizmente) reduzida do público telespectador teve o bom gosto de acompanhar a empolgante final do Prelúdio em casa pela TV Cultura. O resto ficou vendo a bobajada habitual que a TV aberta oferece. Como diria Ruy Castro, pior para eles.
sexta-feira, 11 de dezembro de 2009
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