sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

50 ANOS SEM VILLA-LOBOS E UMA BELA PEÇA ESQUECIDA

Há muitos anos, ainda estudante secundário no interior, ao acordar bem cedo para ir a aulas de educação física, eu aproveitava para ouvir um tema que era o prefixo musical da Rádio Eldorado de São Paulo. Pontualmente às 6 horas da manhã, ia ao ar uma gravação com aquela melodia meio distante, evocativa, etérea e de poderoso fascínio... Anos mais tarde, já vivendo em São Paulo, liguei para a Rádio Eldorado e então soube que aquele tema era de Villa-Lobos e se chamava Saudades das selvas brasileiras. Composto e publicado em Paris em 1927, era executado pelo pianista Homero Magalhães.

Por causa de sua identificação com a Rádio Eldorado – uma das emissoras que mais influenciaram o gosto musical em minha família –, Saudades das selvas brasileiras tornou-se uma verdadeira obsessão para mim. Descobri que ela foi tocada em público pela primeira vez em 14/03/1930, em Paris, no Festival de Música Moderna, na Sala Chopin, pela pianista Janine Cools.

Dizem que Saudades das selvas brasileiras foi uma resposta de Villa-Lobos a Saudades do Brasil (1920), do compositor francês Darius Milhaud, que viveu de 1914 a 1918 no Brasil, como secretário particular do poeta e diplomata Paul Claudel, então embaixador da França no Rio de Janeiro.

Seja como for, Saudades das selvas brasileiras foi minha introdução ao vasto universo musical de Heitor Villa-Lobos (Rio de Janeiro, 5 de março de 1887 – Rio de Janeiro, 17 de novembro de 1959), considerado o criador de uma linguagem “brasileira” na música erudita, com a incorporação de elementos folclóricos, populares e indígenas, resultado de suas viagens e pesquisas pelo Brasil.

Em 1964 fez grande sucesso o Samba em prelúdio, de Baden Powell e Vinicius de Moraes, sobre o qual existe uma história bem engraçada no endereço

http://bossa-mag.spaceblog.com.br/204003/Samba-em-Preludio-A-Musica-que-Chopin-Esqueceu-de-Fazer/

No entanto, quando surgiu nos cinemas, no mesmo ano, Deus e o diabo na terra do sol, um trecho da música do filme me chamou a atenção: era igualzinho à melodia de Samba em prelúdio. Um pouco de pesquisa revelou que o tal trecho era o Prelúdio de uma das Bachianas de Villa-Lobos, a de Nº 4. Por que será que Baden, Vinicius e a então mulher do poeta, a pianista Lúcia Proença, não teriam percebido que o “plágio” não era de Chopin, e sim de Villa-Lobos? Ou essa história não tem lá tanto fundamento?

O que importa nisso tudo é que me dei conta de que o compositor erudito brasileiro mais conhecido influenciava fortemente nossa música popular. Mais ou menos na mesma época Antonio Carlos Jobim afirmava com todas as letras – e muito mais autoridade – que para ele o Mestre era Villa-Lobos.

Mas a realidade teima em dar voltas. Ao ler biografias e estudos sobre Villa-Lobos, verifiquei que o contrário tinha acontecido antes. O compositor recebeu instrução musical do pai, Raul Villa-Lobos, músico amador, que morreu quando Villa-Lobos tinha 12 anos. Para ganhar a vida, Heitor começou a tocar violoncelo em locais populares, como teatros e cafés, e em salões de baile. Foi então que Villa-Lobos descobriu os chorões – músicos que compunham e executavam chorinhos –, passou a conviver e a tocar com eles e incorporou muito do que ouviu e aprendeu de música popular. Foi nessa época que adotou também o violão como um de seus instrumentos. Sorte nossa... A produção para violão de Villa-Lobos é das melhores que existem.

Com o conhecimento formal que tinha de música européia, a influência dos chorões e do que pesquisou em várias regiões do Brasil, Villa-Lobos criou seu próprio estilo e não se “filiou” a nenhuma tendência “oficial”. Mas demonstrou simpatia pelo movimento artístico liderado por Oswald de Andrade e Mário de Andrade e participou da Semana de Arte Moderna de São Paulo em 1922.

Entre 1923 e 1930 Villa-Lobos viveu em Paris. De volta ao Brasil, batalhou pela instituição do canto orfeônico e do ensino da música nas escolas oficiais do país. Continuou a compor até o fim da vida e até se arriscou no cinema. Segundo Irineu Franco Perpétuo, no endereço

http://www1.folha.uol.com.br/folha/sinapse/ult1063u104.shtml

“Villa-Lobos escreveu duas trilhas sonoras para o cinema. A primeira, para o filme O descobrimento do Brasil (1937), de Humberto Mauro, acabou resultando na composição de quatro suítes orquestrais, que foram gravadas pelo maestro Roberto Duarte. A segunda foi a trilha sonora do filme A flor que não morreu (Green mansions, 1959), da MGM, de Mel Ferrer, protagonizado por Audrey Hepburn. O compositor Bronislau Kaper, que mexeu bastante na partitura, dividiu os créditos da música que foi às telas. Descontente, Villa-Lobos acabou compondo A floresta do Amazonas, para soprano, coro masculino e orquestra, para restaurar suas intenções originais”.

A gravação de A floresta do Amazonas, a última feita por Villa-Lobos – à frente da Sinfônica do Ar em Nova York (1959), com a soprano Bidu Sayão – ficou décadas fora de catálogo até ressurgir em CD no Brasil em 1996.

Saudades das selvas brasileiras não teve a mesma sorte. Poucos artistas a gravaram, entre eles os brasileiros Cristina Ortiz e Roberto Szidon. As gravações de ambos são bem difíceis de encontrar. A de Roberto Szidon, a mais completa e, para mim, a mais bonita, é do LP Música para piano de Villa-Lobos, feito para a Deutsche Grammophon em 1976. Esse disco foi editado no Brasil em tiragem limitada e logo se esgotou. Nunca apareceu em CD por aqui, apesar de sua alta qualidade artística e de conter várias das peças mais importantes de Villa-Lobos para o instrumento. Por uma dessas estratégias de mercado que ninguém consegue explicar direito, a Deutsche Grammophon reuniu as gravações de Música para piano de Villa-Lobos com outras de Szidon para a gravadora e as publicou no álbum com dois CDs Piano music of the Americas, à venda em sites americanos, europeus e japoneses – e nunca editado no Brasil, até agora. Pode ser baixado em

http://classic4everyone.blogspot.com/2009/08/piano-music-of-americas.html

por quem quiser conhecer o excelente Szidon e suas belas interpretações de Gershwin, Charles Ives e, claro, Villa-Lobos. Saudades das selvas brasileiras está no CD 2.

Recomendo:

http://vidadepoisdos50.blogspot.com/

O autor é meu amigo Marcos de Guide, jornalista e músico da maior competência.

Um comentário:

  1. a floresta, as matas, os cheiros, os muleques, a ninguendade e os etc. são as fontes desta terra, daí as semelhanças e dessemelhanças, não acha?

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