domingo, 29 de novembro de 2009

100 ANOS DE JOHNNY MERCER E 110 ANOS DE HOAGY CARMICHAEL

Dois grandes compositores americanos têm muito em comum, além do fato de terem sido parceiros em 36 canções. Eles são Johnny Mercer e Hoagy Carmichael. Para quem quer um cartão de visita, Mercer é o autor, por exemplo, da letra da canção Moon River. E Carmichael é o autor da melodia de Stardust.

Eles tinham em comum também o mês em que nasceram. Johnny Mercer, em 18 de novembro de 1909. Hoagy Carmichael, 22 de novembro de 1899. Portanto, neste mês se comemoraram os 100 anos de Mercer e os 110 de Carmichael.

Johnny Mercer, autor de mais de 1000 canções, recebeu dezoito indicações para o Oscar e levou 4 prêmios Oscar de melhor canção. Ele nasceu em Savannah, Estado da Geórgia.

É mais fácil dizer o que Johnny Mercer deixou de fazer do que enumerar tudo o que ele fez. Só para ter uma idéia, além de cantor e compositor ele também foi ator, apresentador de rádio e TV, roteirista de rádio, cinema e TV e fundador de uma das maiores gravadoras do mundo, a Capitol americana. Henry Mancini, seu parceiro de tantos sucessos e dois prêmios Oscar de melhor canção, costumava dizer que Johnny Mercer era também um grande pintor e se orgulhava de possuir vários quadros do amigo.

Depois de uma experiência como ator em sua cidade natal, Savannah, Johnny Mercer foi para Nova York em fins dos anos 20 e começou a trabalhar numa editora de música. Em 1930 uma canção dele, intitulada Out of breath and scared to death of you, com música de Everett Miller, foi publicada, gravada e usada num espetáculo da Broadway, Garrick Gaieties, de 1930. Daí em diante ele nunca mais parou de compor, sozinho ou em parceria com uma verdadeira lista telefônica de grandes compositores (o site de Mercer situa o número de parceiros dele em torno de 100).

Depois de trabalhar com o maestro Paul Whiteman, Johnny Mercer acabou indo para Hollywood e, de 1935 até os anos 70, compôs diretamente para cerca de 60 filmes. E é quase impossível contar em quantos outros filmes canções dele foram usadas, antes e depois de sua morte, em 25 de junho de 1976. Um dos primeiros grandes sucessos de Mercer é Jeepers’ creepers, parceria com Harry Warren, do filme Going places ou Coragem a muque, de 1939. Jeeper’s creepers reapareceria no perturbador The day of the locust ou O dia do gafanhoto, de 1975. Ficou mundialmente conhecida com a antológica gravação de Louis Armstrong e sua orquestra, de 18 de janeiro de 1939, e continua sendo regravada até hoje, como muitas das canções de Johnny Mercer. Aliás, segundo levantamentos de entidades arrecadadoras de direitos autorais, não passa um dia sem que, em algum lugar do planeta, melodias e letras de Johnny Mercer sejam reproduzidas, em rádio, TV, cinema, Internet etc.

Já na letra de Jeeper's creepers Johnny Mercer provou que sabia utilizar muito bem palavras estranhas e combinar com perfeição onomatopéias. E em toda a sua carreira ele mostraria competência e elegância em praticamente todos os gêneros, fazendo rimas inesperadas e transformando até banalidade em poesia.

Uma das letras mais requintadas e menos conhecidas de Mercer é a que ele fez para Out of this world, em parceria com Harold Arlen, para um filme medíocre que tinha o mesmo nome, de 1945. A canção, porém, é excepcional, principalmente pelos versos "No armored knight was more enchanted by a Lorelei than I" (“Nenhum cavaleiro em armadura ficou mais encantado por uma Lorelei do que eu”). Lorelei é aquela famosa sereia do rio Reno que, na mitologia germânica, atraía marinheiros para a morte no fundo do rio com o seu canto irresistível. Esquecida por cerca de 20 anos, Out of this world ressuscitou numa esplêndida gravação de Tony Bennett, no LP For once in my life, lançado em 6 de dezembro de 1967, com arranjo e regência de Marion Evans.

O cinema não se cansa de aproveitar criações de Johnny Mercer, mesmo que não tenham sido feitas diretamente para algum filme. Uma das mais famosas, Dream, tem letra e melodia dele. Foi composta em 1944 para o programa de rádio The Chesterfield Show e utilizada, entre outros, no filme Carnal knowledge ou Ânsia de amar, de 1971, na voz de Frank Sinatra, em gravação de 1960, com arranjo e regência de Nelson Riddle. Também acompanhada por Riddle, Ella Fitzgerald incluiu Dream no álbum The Johnny Mercer songbook, gravado em 1964.

Outro enorme sucesso de Johnny Mercer é On the Atchison, Topeka and the Santa Fe. Com música de Harry Warren, esta canção foi composta para o musical da Metro com Judy Garland The Harvey girls ou As garçonetes de Harvey, lançado em 1946, e ganhou o Oscar daquele ano.

A marca registrada de Johnny Mercer era habilidade para lidar com qualquer situação e qualquer tipo de palavra. Por exemplo, Too marvelous for words foi escrita em parceria com Richard Whiting para o filme Ready, willing and able ou Amor de opereta, de 1937, com Ruby Keeler e Lee Dixon dançando ao som dessa canção sobre uma gigantesca máquina de escrever. Uma das peculiaridades dessa letra é o uso da palavra dicionário: "You're much, too much, and all too very very / To ever be in Webster's Dictionary". A dupla Sinatra-Riddle, com a classe habitual, revisitou essa canção nos estúdios da Capitol em 16 de janeiro de 1956. E em fevereiro de 1982 outra dupla de respeito, Jackie Cain & Roy Kral, trouxe de volta Too marvelous for words, no álbum High standards.

Amigos e colegas de Johnny Mercer diziam que morriam de inveja da habilidade dele com as palavras e gostavam de citar como exemplo as rimas entre chalice, palace e aurora borealis (cálice, palácio e aurora boreal) da canção Midnight Sun:

Your lips were like a red and ruby chalice, warmer than the summer night
The clouds were like an alabaster palace rising to a snowy height.
Each star its own aurora borealis, suddenly you held me tight
I could see the Midnight Sun.

Mercer compôs a letra em 1954 ao ouvir no rádio do carro um tema composto pelo vibrafonista Lionel Hampton em 1947. Extremamente sofisticada em melodia e versos, Midnight Sun teve antológica interpretação de Tony Bennett, com arranjo e regência de Robert Farnon, em gravação de 1972.

Johnny Mercer ainda se dava ao luxo de ressuscitar canções que nunca tinham dado certo com outros letristas. Glow worm foi escrita para a opereta Lisístrata, de 1902, por Paul Lincke. Durante anos ganhou várias letras até que a de Johnny Mercer em meados dos anos 1940 eliminou a concorrência. O próprio Mercer se encarregou de popularizar Glow worm em disco em dezembro de 1947, acompanhado por coro e orquestra, com arranjo e regência de Alvino Rey.

Uma das parcerias mais bem-sucedidas da carreira de Johnny Mercer foi a que ele formou com Henry Mancini. Os dois estabeleceram um recorde ao levar o Oscar de melhor canção em dois anos seguidos: em 1961 por Moon river, de Bonequinha de luxo ou Breakfast at Tiffany's, e em 1962 por Days of wine and roses, do filme que tinha o mesmo título em inglês e se chamou Vício maldito no Brasil. Curiosamente, em sua autobiografia Henry Mancini conta que, ao lhe entregar a letra de Moon river, Mercer comentou que a canção não teria êxito comercial. Errou por muito: Moon river foi um dos maiores sucessos da dupla Mancini-Mercer e continua a ser gravada por diferentes gerações de intérpretes da canção americana.

O outro autor focalizado nesta postagem é Hoagy Carmichael. Ele nasceu em Bloomington, Indiana, em 22 de novembro de 1899. Ainda menino aprendeu a tocar piano com a mãe, que era pianista no cinema da cidade nos tempos do cinema mudo. Quando ele tinha 16 anos a família mudou-se para Indianápolis, e Hoagy teve aulas com um pianista negro de ragtime, Reggie Duval. Pouco tempo depois ele entrou para a Faculdade de Direito da Universidade local e se formou em 1926. Enquanto tocava com vários músicos de jazz que conhecia, exercia a profissão de advogado. Depois de ter duas composições, Riverboat shuffle e Washboard blues, publicadas e gravadas por alguns músicos de jazz, Carmichael decidiu se tornar ele também músico em tempo integral em 1927. Um de seus melhores amigos era o conhecido cornetista Bix Beiderbecke, que inspirou algumas composições de Carmichael. Em 1936 ele foi para Hollywood e nunca mais parou de trabalhar no cinema como compositor e ator.

Johnny Mercer e Hoagy Carmichael foram parceiros em várias canções para o teatro e para o cinema. Uma das mais conhecidas da dupla é a que ganhou o Oscar de 1951, In the cool, cool, cool, of the evening, composta para o filme de Frank Capra Here comes the groom ou Órfãos da tempestade, com Bing Crosby, que popularizou a canção também em disco. Fiel à sua própria afirmação de ser "100% imitador de Bing Crosby", Dean Martin gravou In the cool, cool, cool, of the evening em abril de 1951, com arranjo e regência de Dick Stabile. E a onipresente dupla Sinatra-Riddle também deixou seu registro da canção em 1964.

Mercer e Carmichael compuseram Skylark para um espetáculo da Broadway intitulado Young man with a horn em 1942, inspirado na vida do cornetista Bix Beiderbecke, amigo de Hoagy Carmichael. A peça acabou virando filme com o mesmo nome em 1950, com o próprio Carmichael fazendo um pequeno papel. No Brasil o filme se chamou Êxito fugaz. Outra característica comum: como Johnny Mercer, Hoagy Carmichael também era muito bom cantor. O registro de Skylark, com Hoagy Carmichael, voz e piano, arranjo e regência de Johnny Mandel, é de setembro de 1956.

Também como Johnny Mercer, Hoagy Carmichael não se limitou a um só parceiro. Um deles foi Frank Loesser, com quem ele compôs em 1938 a canção Small fry, para o filme Uma família gozada (Sing, you sinners), com Bing Crosby, Fred MacMurray e um jovem promissor chamado Donald O’Connor. O incomparável conjunto vocal The Hi-Lo’s deu a esse tema tratamento requintado em 1959, com arranjo para vozes do líder Gene Puerling e instrumental de Marty Paich, à frente de seu fabuloso Decteto, com músicos como Jack Sheldon no trumpete, Bill Perkins, Herb Geller e Bud Shank nas palhetas.

E, pra (não) variar, mais um traço em comum com Johnny Mercer: Hoagy Carmichael também compunha sozinho. O melhor exemplo disso é a belíssima I get along without you very well, de 1938. Numa de suas últimas sessões em estúdio Billie Holiday deixou pungente interpretação desse tema, com arranjo e regência de Ray Ellis, gravação de 20 de fevereiro de 1958 para o álbum Lady in satin, que ela fez para a Columbia. Carly Simon seguiu os passos de Billie e também fez extraordinário registro de I get along without you very well no igualmente belo álbum Torch, de 1981.

Algumas das criações mais conhecidas de Hoagy Carmichael demoraram para agradar o público. O exemplo mais incrível é o da hoje famosíssima Georgia on my mind, composta em 1930 com letra de Stuart Gorrell. Esquecida por trinta anos, tornou-se um êxito mundial indestrutível na voz de Ray Charles. O motorista de Ray costumava cantarolar a canção e sugeriu ao patrão que a gravasse, o que aconteceu em 25 de março de 1960, com arranjo e regência de Ralph Burns.

Uma canção de 1937, The nearness of you, feita em parceria com o letrista Ned Washington para o filme A princesa e o galã ou Romance in the dark, tornou-se um dos maiores sucessos de Carmichael e conta com número bem expressivo de gravações, entre elas as de Sarah Vaughn, Keely Smith e Frank Sinatra.

Outra particularidade da carreira de Hoagy Carmichael está ligada à melodia que ele compôs em 1927, sugerida pelo estilo do amigo Bix Beiderbecke, com o nome de Barnyard shuffle. Ela ganhou letra de Mitchell Parish e o nome Stardust em 1929 e, em versão cantada ou instrumental, tornou-se a música mais gravada do século XX, segundo a Enciclopédia Penguin de Música Popular, publicada na Inglaterra. Curiosamente, durante quase 30 anos todo mundo praticamente se esqueceu da maravilhosa introdução feita por Carmichael para esta canção. Em gravação de 19 de dezembro de 1956, Nat King Cole e o maestro-arranjador Gordon Jenkins restabeleceram a verdadeira obra-prima que é essa introdução, que seria gravada até sozinha por Frank Sinatra e o maestro-arranjador Don Costa em 1961.

Johnny Mercer e Hoagy Carmichael estão entre os grandes nomes da indústria americana do entretenimento do século XX. Juntos ou com outros parceiros, deixaram um número enorme de canções importantíssimas – um legado de grande beleza e alta qualidade artística.

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Olá, amigas e amigos, cambada de pensantes ou não-pensantes!


Atendendo a alguns pedidos e, como diria o saudoso mestre Fausto Canova, em face de uma série de ameaças, vou dar as caras por aqui.


As primeiras postagens vão ser mais na linha exploratória. De acordo com as reações de quem as comentar e com o que eu mesmo achar mais adequado, elas serão modificadas. E os eventuais erros apontados serão devidamente corrigidos.


De cara, um aviso: vivo de escrever há mais de 40 anos, já passei por várias reformas ortográficas, semânticas, léxicas, pedagógicas, verborrágicas, prolegomênicas, propedêuticas, oligofrênicas (como diria o saudoso Dimas Costa, meu primeiro grande mestre na Abril Cultural) e outras. Acho a atual reforma uma grande besteira, porque, até que alguém me prove o contrário, vai ajudar a criar textos ainda mais confusos do que os que vemos todos os dias em jornais, revistas e na própria Internet. Portanto, aos "corretores empedernidos" de plantão, aviso que vou continuar a escrever de acordo com regras mais ou menos bem definidas que tenho usado nos últimos tempos, sob a orientação do já citado mestre Dimas e também de outros dois grandes mestres, Eduardo Martins e Pasquale Cipro Neto, que conhecem o idioma muito melhor do que eu.

Advirto, outrossim (advérbio que o mestre Eduardo Martins detestava mas a gente "plantava" em textos no Estadão, a fim de desfrutar divertidos e infalíveis acessos de fúria dele) que, se algo parecer errado, será por culpa única e exclusiva deste locutor que vos fala, sem nenhuma participação ou conivência desses egrégios senhores. Os acertos, estes sim, se deverão a diretrizes por eles estabelecidas e adotadas não só por mim mas igualmente por muita gente de respeito no ofício.

Este blog abordará vários temas, com destaque para as artes. Mas haverá espaço para outros assuntos, com a preocupação de responder, na medida do possível, as contribuições de quem quiser se manifestar sobre o que aqui for escrito.

Tentativamente, haverá uma nova postagem a cada semana, em princípio às sextas-feiras.

Espero que quem arriscar uma olhada aqui proponha novas idéias, estimule o debate e, se possível, se entretenha.